XXI Encontro Nacional da EPFCL – BR
Prelúdio XIII
À ALIENAÇÃO DO SIGNIFICANTE, O REAL RESPONDE COM O IRREDUTÍVEL DO SINTOMA; E O PSICANALISTA RESPONDE COM SUA TOPOLOGIA, CLÍNICA E POLÍTICA
Raul Pacheco
Não fosse a pandemia, o nosso XXI Encontro Nacional teria acontecido em 2020: mesmo ano em que comemoramos o centésimo aniversário do “Além do princípio de prazer”. Texto que marcou uma ‘virada’ na Psicanálise, porque Freud descobriu, na clínica, o irredutível do sintoma: há algo que repete … uma compulsão! E tudo precisou ser revolvido e transformado: uma enorme renovação na teoria e na práxis.
E isso porque “tinha uma pedra no meio do caminho” (Drummond). Uma pedra que inviabiliza subsumir teoricamente os fenômenos que interessam à Psicanálise (sonhos, sintomas, transferência e tudo o mais) ao binômio princípio de prazer – princípio de realidade.
Uma pedra, ou melhor, uma rocha (da castração), que fez obstáculo à formalização freudiana de uma clínica em que se vislumbrasse um ponto terminal: um final de análise. Conhecemos o esforço freudiano e seus importantes resultados: uma nova articulação dos lugares psíquicos (a segunda tópica), um novo dualismo pulsional, uma retomada da teoria da angústia … ainda assim, não o suficiente!
O eu, lembra Lacan no Seminário 1, é como uma cebola e poder-se-ia descascá-lo, camada por camada, para se encontrar as identificações sucessivas que o constituíram. E o inconsciente? Pode-se também descascá-lo até o seu núcleo, na clínica? O sonho tem seu umbigo, lembra Freud…, mas, como encontrá-lo? E o que é um umbigo, afinal, senão um ‘furo’ que marca um corte e uma origem? Uma invaginação de um tubo de ligação primordial!
Se Descartes estivesse certo em suas reflexões sobre como se constrói o campo de uma ciência, a Psicanálise se confrontaria com um impasse: parar em Freud ou então abandoná-lo: “não existe tanta perfeição nas obras formadas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que um só trabalhou. (…) os edifícios projetados e concluídos por um só arquiteto costumam ser mais belos e mais bem estruturados do que aqueles que muitos quiseram reformar” (DESCARTES, Discurso do método[1]).
Lacan, porém, não pensava da mesma maneira. E, como em uma corrida de revezamento, foi das mãos de Freud que recebeu o bastão para prosseguir o percurso de construção do saber psicanalítico. Recebeu, não, foi buscar: retornou a Freud! E começou por limpar o terreno em volta da pedra-obstáculo, articulando, ao significante, o sujeito e o inconsciente: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. E assim prosseguiu até reunir recursos teóricos e clínicos capazes de lhe permitir o confronto direto com a Coisa (das Ding): aquilo que subjaz às repetições e ao irredutível do sintoma. Surpresa: o seu interior era oco e não maciço e compacto! Parecia mais um vaso do que uma rocha: uma cavidade, uma fenda, um novo e estranho objeto condensador de gozo, que exigiu uma formalização topológica inédita.
Sabemos que, daí em diante, Lacan teve que abrir uma nova trilha — uma trilha propriamente lacaniana —, uma vez que o trajeto teórico e clínico pelo campo do real e do gozo era, até então, um território inexplorado. A isso devemos o nome de nossa Escola: Fóruns (espaços, lugares, topos) do Campo Lacaniano.
Falei do sintoma e de respostas do psicanalista para abordá-lo: a descoberta clínica do seu caráter irredutível e a topologia que foi necessário desenvolver para formalizá-lo. Mas, e sobre a política: o terceiro termo que articula o psicanalista e o sintoma, no tema do nosso XXI Encontro (“O sintoma e o psicanalista: topologia, clínica, política”)? Como esquecê-la, nós, sujeitos ingressantes na terceira década do século XXI? Nós que fomos confrontados, cem anos depois, com o real traumático que novamente desabou sobre a civilização? A pandemia voltou a assolar o planeta, um século exato depois da Gripe Espanhola. E o fascismo ameaça novamente o mundo — seja como tragédia ou como farsa —, cem anos após a fundação do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (o partido nazista alemão).
Ainda que com sofrimento extraordinário, os sujeitos do século XX souberam superar as ameaças da pandemia, do nazismo e do fascismo. E, com suas formalizações teórico-clínicas, Freud e Lacan contribuíram com o tecido capaz de enlaçar simbolicamente o horror do inaudito: seja a Gripe Espanhola, a I Guerra, e o fascismo, no caso de Freud, seja a II Guerra, seus acontecimentos e consequências, assim como a aceleração do discurso capitalista, no caso de Lacan.
Nós, psicanalistas do terceiro milênio d. C., tampouco nos furtaremos a trazer nossa contribuição para a batalha enfrentada pelos sujeitos contemporâneos. E aqui estaremos para mostrar que repetição não é reprodução e sempre demanda o novo. E que, no momento do real do trauma e do mal-estar na cultura, sempre haverá um psicanalista disposto a escutar o sujeito e a lhe endereçar uma resposta, a partir de seu discurso e de sua política: seja na condução de suas análises, seja nas ações e reflexões sobre a pólis. Sobretudo neste nosso XXI Encontro Nacional da EPFCL-Brasil!
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[1] Fonte digital: Edição Acrópolis, p. 11. Acesso em: https://lelivros.love/book/download-discurso-do-metodo-rene-descartes-em-epub-mobi-e-pdf-2/).