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XXII ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
As paixões do ser: amor, ódio e ignorância
Convidada: Ana Laura Prates
04, 05 e 06 de novembro de 2022 – Curitiba – PR


Prelúdio XII
A debilidade mental
Maria Anita Carneiro Ribeiro

Diz uma lenda medieval que Aurélio Agostinho de Hipona, a quem hoje chamamos de Santo Agostinho, estaria, um dia, passeando pela praia, observando o vai-e-vem das ondas do mar e pensando nos mistérios da Santíssima Trindade. Vê, então, uma criança que vai ao mar e busca água, com a qual tenta encher um buraquinho que cavava na areia. Pergunta à criança o que estava fazendo, ouvindo como resposta: “Tento colocar toda a água do mar neste buraquinho”. Divertido, Santo Agostinho observa: “Não vês que isto é impossível?”, ao que a criança, que na realidade era um anjo do Senhor, retruca: “Não mais do que desejares compreender, só com os recursos de tuas razões, as profundezas do mistério da Santíssima Trindade!”

É uma lenda muito encantadora e conhecida, que faz jus ao pensamento agostiniano que sempre proclamou os limites da razão frente aos mistérios do divino.

Para a psicanálise, as questões relativas à relação do sujeito humano – sujeito da fala e da linguagem – com o saber atravessam as elaborações teóricas desde os primeiros textos de Freud até nossos dias, com Lacan.

É no Seminário, livro 1, marco de seu ensino oficial livre das garras da IPA, que Jacques Lacan vai nos falar, retomando Spinoza, das paixões do ser: amor, ódio e ignorância.

Este trio, que não é uma trindade, sempre me espantou: como compreender a paixão da ignorância com a mesma inexorabilidade do amor e do ódio? como compreendê-la nestes nossos dias, em que presenciamos a volúpia do ódio ao saber, casada com o ataque ao conhecimento, à ciência e se opondo a toda manifestação de amor, empatia, solidariedade? Na mais bela história de amor, Shakespeare já dizia desde o início:

 

Tudo aqui tem muito de ódio, mas mais de amor.
Ah, amor turbulento! Ah, ódio apaixonado!
Ah, o tudo do nada gerador! (Honan, p. 265)

 

Romeu comenta isto antes mesmo de conhecer aquela que era objeto de seu grande amor, proibido pelo ódio mortífero entre as famílias: Mentechio (Romeu) e Capuleto (Julieta).

A inexorabilidade do amor e do ódio que leva à morte estão nestes versos com toda a força passional de sofrimento, padecimento, paixão.

É também no capítulo XXI do Seminário 1 que Lacan apresenta outro trio, que não é uma tríade, e que atravessará os anos finais: R. S. I. – Real, Simbólico e Imaginário. O último Lacan se remete ao primeiro, assim como as últimas teorizações de Freud sobre as pulsões (de 1920 em diante) se remetem à “energia desligada” do Projeto de 1895.

O passado elucida o presente. Ao declarar que o inconsciente é atemporal, Freud rompeu com a ideia de tempo linear e Lacan uniu a teoria e a prática com a sessão curta.

Ainda no Seminário I, Lacan diz que “É na dimensão do ser que se situa a tripartição do Simbólico, do Imaginário e do Real, categorias elementares que não podemos distinguir nada de nossa experiência.”  E prossegue: “é somente na dimensão do ser […], que se podem inscrever as três paixões fundamentais” (Lacan, 1953-54/1979, p. 308-309).

Na junção do Imaginário e do Simbólico, o AMOR: a idealização, a palavra, a fala de amor, a demanda. Na junção do Imaginário e do Real, o ÓDIO: a projeção de todo mal, a intolerância, a crueldade, tal como Freud definiu em 1932, na carta-resposta a Einstein – pura cultura da pulsão de morte. E na junção entre o Real e o Simbólico, a IGNORÂNCIA. Ou seja, há algo do Real que o Simbólico não pode alcançar, algo que Freud chamou de “representação intolerável”, algo impossível de se saber, de dizer, algo do qual todos nós, seres de fala e de linguagem, padecemos.

Recalque, desmentido ou foraclusão, são marcas indeléveis de debilidade do mental (termo cunhado por Lacan em R. S. I.) frente ao real da castração.

Diante do enigma último do sexo e da morte, outros nomes da castração, resta a nós, débeis do mental, CRIAR, como esforço de fazer suplência ao impossível de dizer, a magia, as religiões, a filosofia, as ciências, a poesia, a arte enfim… não à toa muitas vezes combatidas por aqueles que disseminam a pura cultura da pulsão de morte.

 

Coordenação local:
Cléa Ballão
Cláudia Leone
Cláudia Valente
Fernanda Histher
Glauco Machado (coordenador)
Nadir Lara Júnior
Robson Mello
Thamy Soavinsky

Comissão Científica:
Adriana Grosman
Bárbara Guatimosim
Felipe Grillo
Ida Freitas
Leila Equi
Terezinha Saffi
Glauco Machado
Sonia Alberti (coordenadora)

Equipe de Prelúdios:
Gloria Sadala
Zilda Machado

Coordenação Nacional: CG da EPFCL-Brasil:
Robson Mello – diretor
Julie Travassos – secretária
Juliana Costa – tesoureira

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