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XXI Encontro Nacional da EPFCL – BR

Prelúdio III
O SINTHOMA EDIPIANO E OUTROS
Antonio Quinet

Se o “Lacan borromeano” permite-nos avançar na teorização de nossa clínica com o conceito de sinthoma, isto significa abandonar nossas referências anteriores, incluindo a distinção entre as estruturas clínicas? Esse foi um dos temas candentes de nosso II Simpósio Interamericano da EPFCL em Pereira na Colômbia no ano passado. Por outro lado, devemos abandonar de vez as referências freudianas e, segundo uma corrente atual de lacanianos, separar Lacan de Freud com a topologia como guia?

Para contribuir ao debate retomo aqui o Édipo borromeano de Lacan [1]. Em seu Seminário RSI, afirma que Freud fez um nó borromeano com quatro – e para isso colocou a realidade psíquica cujo nome é o Complexo de Édipo como o quarto elo que enlaça os três registros: Real, Simbólico, Imaginário. “Sem o Complexo de Édipo, nada da maneira como ele se atêm aos elos do Simbólico, do Imaginário e do Real se sustenta. Donde eu ter insistido, com o tempo, em proceder, em acreditar que do que Freud enunciou não é o Complexo de Édipo que se deve rejeitar. Ele é implícito e isso se demonstra” [2]. Em seguida, Lacan chama o quarto elo que une os três registros de Nome-do-Pai (nome lacaniano que resume o complexo de Édipo freudiano) e aponta que são os Nomes-do-Pai que se individualizam para cada sujeito. Sendo assim, desenvolve a função de enlaçamento como sendo a função do sinthoma, “ A única garantia de sua função de pai: é a função de sinthoma”[3]. Em suma, cada sujeito tem um sinthoma.

Assim, Lacan faz equivaler sinthoma, quarto nó, Complexo de Édipo e Nome-do-Pai. Este é o sinthoma daqueles cujo Nome-do-Pai está inscrito no Outro. Para estes há o Sinthoma edipiano (que Colette Soler chama abreviadamente de sinthoma-pai [4]). Mas não é só o Complexo de Édipo com o Nome-do-Pai que pode fazer a função de sinthoma, ou seja, de enodamento dos três registros RSI e também de nomeação. Eis o que Lacan demonstra no Seminário 23 com o caso Joyce, que, sem a inscrição do Nome-do-Pai, faz um sinthoma-arte, assim como John Nash um sinthoma-matemática [5]. Daí Lacan ter pluralizado os Nomes-do-Pai e indicado que se pode dispensar o Pai na função de enodamento e nomeação, pois existem outras possibilidades de sinthoma.

Como entender a afirmação de Lacan que o Complexo de Édipo em Freud enlaça os três registros R, S e I? Tomemos em Freud as equivalências dos registros lacanianos para verificar como ele está “implícito”:
Simbólico – corresponde aos significantes e suas cadeias que compõem o Inconsciente estruturado como linguagem, os representantes das pulsões.
Imaginário – equivale ao conceito de narcisismo, o corpo, o eu, o sentido, a fabulação, a figurabilidade dos sonhos, da fantasia e da imaginação, a res extensa, os objetos do mundo empírico.
Real – tem vários nomes em Freud: satisfação, prazer, libido, dor, angústia, gozo (Genuss), afeto e aquilo da pulsão que não tem representação linguageira no Inconsciente, inclusive seu objeto.

O Complexo de Édipo enlaça esses três registros envolvendo o sujeito infans com o Outro parental e seus significantes mestres do desejo do Outro que constituem seu Inconsciente linguagem (S). Este significantes do Outro estão presentes na formação do eu no estádio do espelho (I). O real (R) é aí representado pela pulsão, que é um eco do dizer do Outro no corpo, por sua libidinização pela fala com lalíngua e por todos os afetos decorrentes: amor, ódio, angústia de castração, etc.

O fato de termos o Nome-do-Pai como quarto elo dos neuróticos – que constituem uma grande parte da clínica dos psicanalistas – não significa uma homogeneização deles. Cada um tem sua forma de enodamento e seus S1 (assim como sua fantasia, seu objeto a, seu corpo, etc) que promovem sua singularidade. Trata-se na análise, como diz Lacan, de fazer “com que o Real se sobreponha ao Simbólico”, através do esvaziamento do sentido suportado pela fantasia com seus nós de gozo e fazer com que esses registros “atem-se de outra forma, é o que faz o essencial do Complexo de Édipo, e é no que, muito precisamente, opera a própria análise” [6].

Nosso Encontro da EPFCL-Brasil em Salvador é também uma oportunidade de pensarmos as diferenças e aproximações entre o sinthoma-letra e o sinthoma-parceiro sexual (nos casais hétero e homo), sinthoma que faz ou não laço social (independente da estrutura clínica), sinthoma-autista, e outros tantos para os casos de sinthoma edipiano, assim como nos casos de sinthoma não edipiano que dispensam o Nome-do-Pai.

[1] Desenvolvo esse ponto em meu livro Édipo ao pé da letra, Rio de Janeiro, Editora Zahar, 2015.
[2] Lacan, Seminário RSI, 14 de janeiro de 1975, inédito.
[3] Lacan, Seminário RSI, 21 de janeiro de 1975.
[4] cf. Colette Soler, A querela dos diagnósticos, São Paulo, Blucher, 2018.
[5] Quinet, “O refugiado dos símbolos falsos”, Psicose e laço social, Rio de Janeiro, Editora Zahar, 2006.
[6] Lacan, Seminário RSI, 14 de janeiro de 1975, inédito.

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