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XXI Encontro Nacional da EPFCL – BR

Prelúdio VIII
ALGUMAS FACES DA DEPRESSÃO
Heloísa Ramirez

Tristeza não tem fim, felicidade sim!
Tom Jobin

Sabe-se que a grande expansão do diagnóstico de depressão vem seguida da ampliação do mercado da indústria farmacêutica cuja comercialização das drogas antidepressivas e ansiolíticas prometem ao sujeito a esperança de vida melhor. Por ser um termo inespecífico e abrangente, depressão dá margem para ser utilizado como um coringa em resposta aos impasses onde o diagnóstico clínico não é perfeitamente conclusivo. Basta referir–se a tristeza, desesperança, desânimo, choro fácil, fadiga sem motivo aparente, entre outros sinais da natureza determinante da depressão e a tendência é diagnosticá-la.

O fenômeno com seus números alarmantes mobiliza diversos segmentos da saúde mental e dos setores sociais e políticos que se preocupam em promover debates objetivando evidenciar um saber outro sobre o tratamento desse sofrimento tão devastador. No entanto, é interessante notar que a denominação “depressão” não encontra lugar prevalente nos estudos psicanalíticos, talvez por ser uma categoria originalmente localizada nas ciências médicas, ela difere sobremaneira do olhar psicanalítico, que toma sua base nos textos freudianos: Luto e Melancolia (1917)[i], que pensa a depressão como decorrente de uma alteração narcísica ocasionada pela suspensão, exageração ou neutralização do luto, e, em Inibição, Sintoma e Angústia (1925)[ii], aproximando-a da inibição generalizada do eu. Fato é que, atualmente, os consultórios dos psicanalistas se veem invadidos pela enxurrada de pessoas que se autonomeiam ou têm seu sofrimento diagnosticado como depressão.

Lacan, embora não tenha se dedicado especificamente à depressão vai além da metapsicologia de Freud ao inseri-la como um afeto. No texto Televisão (1974)[iii] pareia depressão à tristeza, retirando-a do escopo de estado de espírito para torná-la efeito de linguagem. Assim, a tristeza é um afeto e como tal um significante, uma representação que se desloca metonimicamente para o corpo e que só se deixa afetar pela estrutura. Lacan se espelha no inferno de Dante e em Espinosa, para dizer desse sofrimento que toma sua conformação da noção de pecado, considerando-a uma “falha moral: um pecado, o que significa uma covardia moral, que só é situado em última instância, a partir do pensamento, isto é do dever de bendizer, ou de se referenciar no inconsciente, na estrutura”. (Lacan, p. 524).

O sujeito deprimido traz em si uma fala esvaziada de qualquer relação com o saber inconsciente, ele não encontra recursos para movimentar o seu desejo. É isso que interessa à psicanálise, a depressão se manifesta na vida mediante a perda, o acaso e a surpresa, evocando ali uma posição de fuga, um não querer saber sobre aquilo que a afeta. Ao colocar a tristeza e a “depressão” como isso que fala, o psicanalista tem com o que operar: “A cura é uma demanda que parte da voz do sofredor, de alguém que sofre de seu corpo ou de seu pensamento”[iv].

Outra perspectiva, que não se pode desprezar, são os casos em que a depressão se apresenta como signo de fracasso da proposta de igualdade de gozo. Pelo imperativo da lógica do sistema capitalista: goze, a qualquer preço, onde tudo está, supostamente, ao alcance das mãos, o que se espera é que o sujeito produza cada vez mais e que consuma na mesma medida, corroborando para uma sociedade extremamente competitiva. O que subjaz a essa lógica é que os objetos, muitas vezes adquiridos a alto custo, preencham a falta estrutural e a esperança é que advenha a tão almejada felicidade. Os efeitos desse discurso, em muitos casos são funestos, e, colocam alguns fora do sistema, justamente os que rechaçam a concorrência encontrando nela nada mais que um signo da vacuidade. Assim, a forma de resposta ao discurso capitalista é a auto exclusão como resistência negativa. Cada sociedade gera seus excluídos, os sujeitos deprimidos resistem em participar do sistema capitalista, e para eles a depressão seria uma espécie de resposta ao mal-estar frente a um discurso que se propõe dissolver a subjetividade. Ao recusá-lo o sujeito se coloca fora do laço social e, nessa medida, a serviço da preservação do desejo, deixando de lado o imperativo de gozo. Para esse sujeito não existe uma promessa possível de felicidade, porque é sempre a pulsão de morte que triunfa. É verdade que as formas de discurso na civilização não põem em causa a responsabilidade do sujeito: “o discurso condiciona, mas é o sujeito quem elege, mesmo sendo uma eleição inconsciente, sua posição dentro do discurso” (Izcovich, p.15). De qualquer forma, o que se impõe ao sujeito é a luta, a corrida por um objetivo cujo mecanismo em jogo é a competência. O paradoxo é que esse contexto produz, ao mesmo tempo, aqueles que se colocam fora do sistema e rejeitam a concorrência perguntando-se pelo sentido da vida? Nas palavras de

A depressão seria uma maneira de denúncia histérica do impasse do discurso capitalista, o que não quer dizer que a depressão seja inerente à estrutura histérica, mas que existe um uso da depressão que denuncia o amo… a denúncia tomaria, neste caso, a figura da abstenção, um dizer não ao gozo proposto e estaria a serviço da preservação do desejo de cada um frente a um discurso que propõe, de forma implícita, dissolver a subjetividade [1].(Izcovich, p. 14) [v]​

Assim, nesse contexto, para além da melancolia e da inibição a depressão pode assumir uma forma clínica que se impõe como resistência ao discurso prevalente, já que muitas vezes os sujeitos deprimidos tendem a resistir inclusive ao tratamento.

Retomo Lacan, independente da estrutura a que se apresenta a depressão ao referir-se ao inconsciente será sempre uma objeção ao bendizer. Ao inseri-la como efeito de linguagem é possível ao psicanalista sustentar a experiência de análise a partir da ética do bendizer da relação do sujeito com o desejo e o gozo. A covardia moral refere-se a uma decisão do sujeito frente ao desejo, a ele falta subjetivação. Uma saída possível desse sofrimento seria dirigir a análise visando à ascensão do sujeito ao desejo decidido, o que implica ao psicanalista operar sob transferência no um a um, no caso a caso.

Referências
[1] Tradução livre.
[i] Freud, S. FREUD, S. Luto e melancolia (1917). In: A história do movimento psicanalítico: artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 249-263. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 14)
[ii] Freud, S. (1976). Inibição, sintoma e angústia. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 20). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1926).
[iii] Lacan, J.(1974). Televisão in Outros Escritos. Rio de Janeiro, JZE, 2003. pp. 508-543.
[iv] Lacan, J.(1974). Televisão in Outros Escritos. Rio de Janeiro, JZE, 2003. pp. 508-543.
[v] Izcovich, Luis. La depressión em La modernidad. Medéllin, Universidad Pontificia Bolivariana, 2005.

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