XXI Encontro Nacional da EPFCL – BR
Prelúdio IX
A VIDA EM ONDAS
Terezinha Saffi
Diante deste momento trágico de pandemia, pretendo abordar neste prelúdio, que é uma convocação aos psicanalistas, aos “trabalhadores decididos”, para que ocupem o seu lugar e tomem uma posição frente aos acontecimentos e ao terror que assolaram o mundo neste ano. O psicanalista precisa estar à altura da subjetividade de sua época e trabalhar questões na pólis, já nos dizia Lacan. Nesse percurso retomamos com Quinet os fundamentos da psicanálise para resgatar a ética inerente à prática analítica orientada por Freud e Lacan. Seguem breves reflexões sobre as estruturas e acerca da história subjetiva de cada um frente a este momento traumático, seu funcionamento entrelaçado pelo real, simbólico e imaginário. Me interrogo qual é o valor dado ao corpo humano neste momento inexorável.
Arrebatados e tendo que ficar confinados e na solidão, traumatizados, sofrendo, todos estamos num mesmo mar turbulento e à revelia e, ainda, à deriva sem sabermos o que será das nossas vidas e das vidas dos nossos entes queridos. Os picos das ondas só vêm aumentando e o número de mortes é cada vez maior. O corpo morto é tratado como se fosse carniça.
Não somos senhores em nossa própria casa. Usando a alegoria de um barco, seja ele qual for, que navegava em alto mar, perdeu o leme, a bússola que determinava a direção desregulou. A rota foi por água abaixo. O capitão, de quem se esperaria destreza e excelência como manobrista, ao sabor dos vagalhões, desequilibrou o barco agora sujeito a afundar. Deixando alguns sujeitos apavorados, perdidos à mercê das ondas e da maré contrária à vida. Para se safar nega e banaliza o real avassalador que o espreita e assola o mundo. O que será de nossas vidas?
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
Lembramos do nó borromeu e dos marinheiros que fazem nós de muitos tipos. Nós na vida também com nossos nós vamos reagindo de acordo com nossas estruturas. A histeria vai responder frente ao terror, indiferente ou de maneira dramática, corpo tornado matéria de inscrição. Como na banda de Möebius, já não se distingue mais quem é agora o obsessivo, pois para todos acentuam-se as práticas de higiene e de evitação de contágio. Voyeurs e exibicionistas virtuais, circulação de gozo entre sádicos e masoquistas, qual fetiche nos salva do horror? Na psicose, a angústia transborda, com a emergência de fenômenos de desidentificação.
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
O vírus veio para acenar que tudo na vida é impermanente.
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Por melhor que seja o comandante, ele precisa dos outros para aportar. Não vivemos sem o Outro, sem os outros. Os práticos da psicanálise, assim como os da navegação estão, aí, mas de que maneira poderão agir diante de um naufrágio e com os afogados? O barco precisa atracar em um porto seguro. A vida tem suas algúrias! Gritos dos sobreviventes, panelaços exprimem uma dor presente que desperta a lembrança das antigas e a conferir ao objeto que nos faz sofrer o seu caráter hostil. Como agir para amenizar a dor de existir? Solidariedade e iniciativa devem fazer parte deste novo agir.
Não adianta fugir
Nem mentir
Para si mesmo agora
De minha parte, e como praticante do exercício da psicanálise, instigada e tocada pelo inconsciente, esclareço que alguns destes significantes fazem parte da minha história de vida. Pertenço a uma família de navegadores e práticos, tendo avô, tios e primos de tradição marinha. Severino Neucheffer Oliveira, primeiro prático-mor em São Francisco do Sul, meu avô, condutor de navios e de destinos, sua trajetória na praticagem se confundia com a estruturação das atividades portuárias, envolvendo considerável grau de risco e elevada responsabilidade. Sua lida me ensinou a fazer laços e navegar.
Esperamos ancorar o nosso bote num porto seguro como o que nos espera em Salvador em 2021, terra da poesia, de mar e de águas calmas e cristalinas, reavivando os laços e mantendo mais ainda a chama acesa do trabalho da psicanálise.
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar.