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XXII ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
As paixões do ser: amor, ódio e ignorância
Convidada: Ana Laura Prates
04, 05 e 06 de novembro de 2022 – Curitiba – PR


Prelúdio XV
Para além da paixão há solidão… e despertar
Pedro Moacyr

Triste é viver na solidão
Na dor cruel de uma paixão
Triste é saber que ninguém
Pode viver de ilusão
Que nunca vai ser nunca vai dar
O sonhador tem que acordar
Tom Jobim

No (T)om de Jobim, os versos cantam a tristeza e a solidão do amante apaixonado diante da tentativa de sustentar a ilusão de fazer existir a relação sexual. Ao problematizar as paixões da alma, Lacan articula a tristeza à rejeição ao saber[1], a um “nada querer saber sobre isso”, sobre a castração. A face da dor, que em uma paixão se revela “cruel”, evidencia sua vertente imaginária, da ilusão, cujo destino é pade(S)er no paraíso. O encontro da outra metade, pensado por Aristófanes, é sempre faltoso e revela a verdade de care(S)er da plenitude de dois fazer um. Cru é o vel alienante das paixões do ser, uma vez que tentam obliterar o furo do encontro entre os conjuntos do ser e do Outro[2]. A descompletude é estrutural do ser falante, um dos nomes para o desamparo (Hilflosigkeit) evidenciado por Freud.

No polo oposto ao da tristeza está o gaio issaber [gay sçavoir], que roça de perto o sentido e leva ao gozo do deciframento. O saber suposto ao inconsciente marca a presença do analista na transferência e o início da análise pela via do amor. A operação pela lógica do significante oferta um tratamento rumo ao “que nunca vai ser, nunca vai dar”… Assim, uma análise conduz não à ilusão da união plena, da vertente do amor paixão, e menos ainda à infinita decifração, mas a deparar-se com o fracasso do saber suposto ao sujeito (que é do inconsciente). Soler[3] lembra que há um reajuste nas fórmulas das paixões do ser a partir da década de 70. Verificamos também um passo a mais na elaboração sobre a noção de inconsciente. Da linguagem ao real de lalíngua, Lacan passa a tratá-lo como “apenas um termo metafórico para designar o saber que só se sustenta ao se apresentar como impossível”[4], confirmando-o como discurso real. É a emergência do real que faz o “sonhador” despertar para o fato de o amor ser impossível![5]

Freud[6] sublinha que o sono é o guardião do sonho: dormimos para sonhar, no entanto, despertamos para continuar sonhando. As psicoterapias são propostas para funcionarem pela via de pôr (per via di porre) [7] e conduzem o paciente a outro sonho, visam uma paixão substituta, e, por isso, levam “ao pior”[8]. Uma psicanálise opera per via di levare e se tapeia caso recorra ao sentido, pois ela aponta para o despertar! Ponto furado, em torno do qual o trabalho analítico se ocupa e trava sua política (da falta a ser[9]). As paixões (pathos) tomam lugar no padecimento da falta a ser: amor, ódio e ignorância. A tristeza, do lado da ignorância, pode ser a ponta, não do iceberg (como muitos autores equivocadamente tramam o inconsciente freudiano), mas da solidão. Diferente daquela que causa a “dor cruel” descrita pelo poeta, afeita à ilusão e à paixão, a solidão aqui é a da ruptura do saber (o que se articula e bordeia o real). O simbólico faz pare(S)er, parece dar um suporte de ser, pois o ser de fala é solitário na medida em que “quem fala só tem a ver com a solidão”[10]. Ela implica o impossível, real não nomeável ou partilhável, esse “Um-aí (…) que se manifesta como ex-sistente  – o saber, digo, de um real do Um-todo-só [Um-tout-seul], totalmente sozinho, todo-só onde se diria a relação”[11]. Solidão partidária do entusiasmo que Lacan articula ao fim de análise e ao desejo do analista.

Uma análise tem efeitos de um saber fazer com o real que suporte o “todo-só” inerente ao falasser, uma clínica do ato no campo do gozo. A Escola proposta por Lacan trabalha, em intensão e extensão[12], para garantir a manutenção da pergunta sobre a formação do analista e para que a experiência analítica possa incidir discursivamente na pólis. No Campo Lacaniano, a intensão é função da Escola[13], que é dos Fóruns, cujo trabalho de extensão objetiva a presentificação do discurso analítico no mundo. Que Curitiba seja campo de bons encontros e produções singulares que nos despertem e transmitam o des-ser da experiência analítica, na solidão de cada um, mas não sem outros no caminho de bem-dizer a experiência.

[1] Lacan, J. (1973). Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
[2] Lacan, J. (1972-73). O Seminário: livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
[3] Soler, C. Os afetos Lacanianos. São Paulo: Aller, 2022.
[4] Lacan, J. (1973). Radiofonia. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. P. 423
[5] Lacan, J. (1972-73). O Seminário: livro 20. Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zhar, 1985. P. 117.
[6] Freud, S. (1900). La interpretación de los sueños (segunda parte). In: FREUD, S. Obras Completas Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrrotu, 2007. v. 5
[7] Freud S. (1905). Sobre psicoterapia. In: FREUD, S. Obras Completas Sigmund Freud. Buenos Aires: Amorrortu, 2008. v. 7
[8] Lacan, J. (1973). Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. P. 513
[9] Lacan, J. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
[10] Lacan, J. (1972-73). O Seminário: livro 20. Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 163
[11] Lacan, J. (1972). … ou pior. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. P. 547.
[12] Lacan, J. (1972). Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. P. 547.
[13] Segundo texto proposto pelo Colegiado Internacional da Garantia (CIG) recentemente incluído como adendo ao texto dos Princípios.

FAÇA SUA INSCRIÇÃO NO LINK: https://www.fclcuritiba.com/webinar-registration

 

Coordenação local:
Cléa Ballão
Cláudia Leone
Cláudia Valente
Fernanda Histher
Glauco Machado (coordenador)
Nadir Lara Júnior
Robson Mello
Thamy Soavinsky

Comissão Científica:
Adriana Grosman
Bárbara Guatimosim
Felipe Grillo
Ida Freitas
Leila Equi
Terezinha Saffi
Glauco Machado
Sonia Alberti (coordenadora)

Equipe de Prelúdios:
Gloria Sadala
Zilda Machado

Coordenação Nacional: CG da EPFCL-Brasil:
Robson Mello – diretor
Julie Travassos – secretária
Juliana Costa – tesoureira

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