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XXII ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
As paixões do ser: amor, ódio e ignorância
Convidada: Ana Laura Prates
04, 05 e 06 de novembro de 2022 – Curitiba – PR


Prelúdio VIII
Paixão pelo sentido e amor ao signo? Traçando algumas reflexões
Daniela Scheinkman Chatelard

A canção francesa: “Que reste-t-il de nous amours”? de Aragon, já nos indagava sobre o amor.

O amor, muitas vezes, é a busca de nosso complemento, é aquilo que nos fascina e seduz no outro. Assim, o sujeito se entrega e se ilude nas promessas, não que o outro faz; mas, que o sujeito, ele mesmo faz. Desde Freud, o amor é colocado sobre o plano do ideal do eu, vindo da imagem, a partir da qual, o outro nos oferece: é o ser do outro que o amor visa. O ideal é esta captação imaginária que toma as suas coordenadas do simbólico. O jogo de palavras que Lacan faz, amódio, traduz a ideia de que o sujeito desconhece amor sem ódio; o ódio sendo a vertente agressiva sobre o amor. Lacan situa o ódio, desde o início, correlacionado à agressividade a qual, por sua vez, está situada na relação especular, a mais fundamental, no mesmo plano do amor. Para isso, Freud se serve do mito de Narciso para introduzir o tema do duplo, a gênese do eu e da paixão mortífera.

Narciso, que também deseja o meu abraço, porque cada vez que estendo meus lábios à água límpida para um beijo, ele se esforça para me trazer sua boca. Parece que posso tocá-lo. A captura amorosa, o outro escapando à dor do amado que se prende pela figura do amante, é do que fala então Narciso: “quem quer que seja você, a criança incomparável, venha aqui brincar comigo”[i].

A terceira paixão, a ignorância – remete o sujeito a uma paixão que coloca em evidência as relações do ser com o saber. Lacan a define como sendo um estado do falasser numa relação fundadora com a verdade. A ignorância diz respeito à uma noção dialética, porque é somente na perspectiva da verdade que ela se constitui como tal. A ignorância vem de par com o mecanismo freudiano Verneinung, negação, o não querer saber da diferença, da castração.

Amódio, Freud já demonstrava desde 1899 e, depois, em 1911, com as referências sobre a paranoia, quando tratava da agressividade e da transformação do amor em ódio. A partir da análise morfossintática da sentença “eu o amo”, Freud estabelece: “eu, homem, amo um outro homem”. No delírio de perseguição há uma transformação da sentença “eu o amo” em “eu o odeio”, seguida da projeção no outro “ele me odeia”, o que marca a posição do paranoico. Freud assinala que o mecanismo de projeção é um mecanismo que depende essencialmente do narcisismo e, portanto, do registro imaginário.

O laço e, ao mesmo tempo, o corte entre saber e verdade, uma vez que desta última só se pode semi-dizer, faz com que cada análise seja singular por não se tratar de um único sentido. A psicanálise transcende o sentido, pois se trata de suposição de um sujeito ao saber inconsciente, ou seja, do Sujeito suposto saber, é a tese de Lacan em Introdução à Edição Alemã dos Escritos. E é por isto, sustenta Lacan, que a transferência toma uma nova forma de amor que possibilita introduzir aí a subversão, não que ela seja menos ilusória, mas porque dá a si um parceiro que tem a chance de responder, prossegue Lacan, e que esta chance é da ordem da boa hora, bonheur.

O amor se endereça ao saber, a um saber não sabido, e vai na contramão do sentido, em contraposição à ignorância, a qual faz sua entrada na matriz do discurso com o sentido, e não com o signo: eis o que dá a ideia que convém ter dessa paixão pela ignorância, adverte Lacan. Os oráculos já faziam bom uso do signo, ao nem revelar nem ocultar, mas ao fazer signo: o amor faz signo! O signo faz amor!

Lacan vai buscar no texto de Rimbaud, intitulado A uma Razão, no qual cada versículo termina com “Um novo amor”[ii], o amor aí sendo um signo de que se troca de razão. Mudar de razão seria mudar de discurso, sustenta Lacan em Mais, ainda. Então, mais uma vez, o poeta antecipa o psicanalista, o amor dá a chance ao sujeito de subverter sua posição no discurso, não fazendo relação com o sentido, mas sim, ao fazer laço o sujeito tem a chance de girar de discurso. Ao fazer signo, faz amor! Voltemos ao poeta: “Que reste-t-il de nous amours”?

[i] Ovide. Les Métamorphoses. Flammarion. Paris, 1966.

[ii] Lacan,J. Seminário – livro 20 Mais, ainda, p.26, Zahar ed. Rio de Janeiro, 1985.

 

Brasília, 26 de junho de 2022

 

Coordenação local:
Cléa Ballão
Cláudia Leone
Cláudia Valente
Fernanda Histher
Glauco Machado (coordenador)
Nadir Lara Júnior
Robson Mello
Thamy Soavinsky

Comissão Científica:
Adriana Grosman
Bárbara Guatimosim
Felipe Grillo
Ida Freitas
Leila Equi
Terezinha Saffi
Glauco Machado
Sonia Alberti (coordenadora)

Equipe de Prelúdios:
Gloria Sadala
Zilda Machado

Coordenação Nacional: CG da EPFCL-Brasil:
Robson Mello – diretor
Julie Travassos – secretária
Juliana Costa – tesoureira

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