XXV ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
A FORMAÇÃO DO ANALISTA: URGÊNCIA DA NOSSA ÉPOCA
16, 17, 18 E 19 DE OUTUBRO DE 2025 – MACEIÓ/AL
Prelúdio II
Quando deixou de ser urgente?
Luciana Guarreschi
Membro do FCL – São Paulo
O tema de nosso XXV Encontro Nacional vem bem a calhar: tanto porque nos coloca a trabalhar sobre o futuro da psicanálise, pois sem formação de novos analistas não haverá psicanálise, quanto por nos remeter às questões: quando esta preocupação deixou de ser urgente e para quem? Certamente, não para nós. E esse é todo o começo (e espero a continuidade) de nossa instituição[1], o que não nos impede de atualizar o tema a partir de nossas urgências territoriais e políticas.
Freud, desde o início, se preocupava com a formação dos analistas, a Sociedade dos Anéis ou Comitê Secreto da Psicanálise – maneira iniciante e insipiente encontrada por ele para transmitir a ciência que acabara de descobrir – o atesta. Conta a lenda[2] que esses anéis teriam sido distribuídos após a ruptura com Carl Jung, deixando claro seu objetivo: dar continuidade e preservar a psicanálise, não mais a um pupilo, mas a um grupo de discípulos.
Nós conhecemos o restante da história e como Associação Internacional de Psicanálise, a cargo de Ernest Jones e outros, que se propunha a formar analistas e preservar a experiência radical da psicanálise, não deixou de reproduzir justamente o que ela deveria evitar: o fechamento e o embotamento dessa experiência via funcionamento burocrático e hierarquias de poder e saber, como indicava Foucault sobre as instituições em geral.
Freud o havia previsto, mas nem por isso pôde evitá-lo, pois não é essa uma de suas preocupações em A questão da análise leiga: diálogo com um interlocutor imparcial, de 1926? Sabendo que duas de suas principais descobertas, a saber, de que as pulsões são independentes do objeto e de que a satisfação pulsional não é a necessidade biológica, seriam as primeiras a serem atacadas pela moral vigente, ele escreve: “Sei, naturalmente, que nosso reconhecimento da sexualidade se tornou — confessadamente ou não — o mais forte motivo para a hostilidade à psicanálise”[3].
Ora, mas que hostilidade se a psicanálise está na “boca do povo” ou, antes, nos algoritmos de nossos celulares? Sim, não há dúvidas sobre isso. Mas qual psicanálise? A do “Freud explica” ou a do movimento pró-regularização da psicanálise, inclusas aí as graduações de psicanálise? Ou, ainda, a que insiste em uma adaptação do sujeito ao neoliberalismo, obstruindo seus conflitos e ignorando o fato de que não há linguagem que alcance o Real?
Lacan, sofrendo os desdobramentos dos ingratos desvios da IPA, erigiu importantes balizas à práxis psicanalítica chegando à sua crucial formulação sobre o desejo de analista como aquilo que – se parido em uma análise – transmitirá a psicanálise. No que tange à burocracia da IPA, deu apenas duas tratativas: para a hierarquia de saber e poder, o cartel; para colocar à prova os paradoxos de uma análise e o parto de um analista, o passe. E nós, enquanto Internacional dos Fóruns, acrescentamos mais uma: a permutação inegociável, a cada dois anos, de todas as funções estabelecidas por nossa instituição.
Esta é a maneira que encontramos, até agora, para manter a radicalidade da experiência analítica e sua proposta de levar a vida além das hipocrisias e inibições[4]. Quanto à sexualidade, continuamos a dar a mesma resposta de Freud, porém mais abrasileirada: Amar, verbo intransitivo[5].
SP, 29 de abril de 2024.
[1] Cf. Soler C., Soler L., Adam J., Silvestre D. Psicanálise, não o pensamento único. História de uma crise singular. Edição do Fórum São Paulo, 2025. Pedidos pelo e-mail: secretaria@campolacanianosp.com.br
[2] Eva Rosenfeld, psicanalista, foi agraciada por Freud com um destes anéis, segundo Morag Wilhelm, curadora da exposição “Freud of the Rings”, do museu de Jerusalém. Cf. https://www.imj.org.il/en/exhibitions/freud-rings
[3] Freud, S. A questão da análise leiga: diálogo com um interlocutor imparcial.: Volume 17, São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 125.
[4] Freud, S. O mal-estar na cultura, Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2020.
[5] Título do romance de Mário de Andrade.