XXV ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
A FORMAÇÃO DO ANALISTA: URGÊNCIA DA NOSSA ÉPOCA
16, 17, 18 E 19 DE OUTUBRO DE 2025 – MACEIÓ/AL
Prelúdio VII
A psicanálise e a formação do analista, não-toda
Paula Bastos
FCL Belém
Autorizar-se não é auto-ri(tuali)zar-se.
Pois afirmei, por outro lado, que é do não-todo que depende o analista.
Não-todo ser falante pode autorizar-se a produzir um analista.
Prova disso é que a análise é necessária para tanto, mas não é suficiente.
Somente o analista, ou seja, não qualquer um, autoriza-se apenas de si mesmo. (Lacan, Nota Italiana, 1973, p 312)
Uns meses antes do anúncio do tema do XXV Encontro Nacional da EPFCL-Brasil, A formação do analista: urgência da nossa época, conversava com alguém que dizia ser “fascinada pela psicanálise por ela ser fechada em si mesma, se basta e dá conta!”. A fala desse sujeito provocou a reflexão sobre o fascínio pela lógica do “fechado” e do que “se basta”, lógica essa que pode servir para qualquer coisa, menos para a psicanálise. É a partir dela que trarei, neste prelúdio, alguns apontamentos sobre a psicanálise e a formação do analista como não-toda.
Bastar é um verbo da língua portuguesa que significa, de modo geral, ser suficiente ou ser o bastante para determinado fim ou necessidade. Nesse sentido, a psicanálise não poderia ser o bastante e nem ser compreendida como toda. A citação de Lacan em “Nota Italiana” (1973), período do Seminário 20, sobre o não-todo que cabe ao analista, evidencia que, tratando-se da formação do psicanalista, a lógica da suficiência, do universal, não se aplica. Neste contexto, a saída (que não há ritual) da lógica fálica para a ausência de um universal e para o conjunto aberto, o não-todo, seria uma via para a autorização?
De acordo com Quinet (2021, p.41), a travessia da fantasia se juntaria a passagem do todo fálico ao não-todo fálico em direção à crianção e a poesia, este então, seria o lugar do analista. Seguindo nessa direção, a psicanálise também não se bastaria, pois isso significaria responder à pergunta fundamental para a Escola, que precisa se manter aberta: o que é um analista? que leva a respostas singulares, alcançadas a partir do “tornar-se psicanalista da própria experiência” (Lacan, 1967, p. 248). Portanto, o fim da análise, com o passe, um-a-um, produzirá um saber não-todo (Gutiérrez, 2023).
Assim sendo, no fim de uma análise, ainda haverá um não-todo sabido, algo que não poderá ser analisado, porque não existe um saber que seja completo. Há um real em jogo na própria formação do analista (Lacan, 1967): uma falha, uma hiância, uma falta que causa. Por isso, Lacan acrescenta que, se queremos compreender do que se trata a psicanálise, devemos referir-nos ao inconsciente freudiano, que permanecerá fora de alcance, a não ser pelas surpresas que ele prega. Portanto, se Lacan (1973) diz que nunca falou em formação do analista, e sim das formações do inconsciente, é fundamental que a hiância, a rachadura, o buraco, não seja suturado (Lacan, 1964).
Por outro lado, sabemos que os sujeitos falantes tendem a querer fechar as rachaduras. As tentativas de tapar o buraco, isto é, de fazer a relação sexual existir, quando falamos da formação do analista, de maneira consistente, levariam a psicanálise a uma certeza incontestável. Dessa maneira, elevando-a ao todo fálico, poderia perigosamente, transformá-la em uma psicologia das massas (Freud, 1921), com seus membros identificados e unidos pelo amor ou pelo ódio. Mesmo aqueles advertidos de que não existe certificação de analista, poderiam aproximá-la de uma religião, de uma militância, de uma revolução, o que pode até ser fascinante, ou melhor, alienante. Para isso, análises! Para isso, cartéis! Para isso: não-todo, nem completo, nem incompleto, uma brecha que a Escola deve manter aberta.
Por fim, a formação do analista também não deve bastar, para não cairmos em fascinação (nem nos sonhos mais lindos, sonhei…). Se não houver o saber que não se sabe, o do inconsciente, no lugar da verdade que inscreve o não-todo, de onde poderá advir a contingência do ato (Fingermann, 2016)?
Que, no encontro que nos aguarda em outubro, em Maceió/AL, possamos seguir abertos, criando, nos surpreendendo, um-a-um, por uma psicanálise não-toda.
Referências:
Fingermann, D. A (de)formação do psicanalista: as condições do ato psicanalítico. São Paulo: Escuta, 2016.
Freud, S. Psicologia das massas e análise do eu (1921). Cultura, sociedade, religião: O mal-estar na cultura e outros escritos. São Paulo: Autêntica, 2020.
Gutiérrez, C,V. A Escola, o Passe e o Não-todo. [Vídeo]. FCL-Salvador. (2023) https://www.youtube.com/watch?v=mDFDMPUCuKo
Lacan, J. Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
Lacan, J. Nota italiana (1973). Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 312.
Lacan, J. Sobre a experiência do passe. A respeito da experiência do passe e de sua transmissão. (1973). Tradução: Ana Lúcia Teixeira Ribeiro. In: Documentos para uma Escola II. Lacan e o passe. Letra Freudiana – Escola Psicanálise e transmissão. 1995, Ano XIV, N. 0.
Lacan, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. (1967). Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p.248.
Quinet, A. A política do psicanalista: Do divã para a polis. Rio de Janeiro: Atos e Divãs Edições, 2021.