XXV ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
A FORMAÇÃO DO ANALISTA: URGÊNCIA DA NOSSA ÉPOCA
16, 17, 18 E 19 DE OUTUBRO DE 2025 – MACEIÓ/AL
Prelúdio VIII
O estilo na formação do analista: uma urgência no percurso
Katarina Vidal Aragão
Fórum Aracaju
Os sete prelúdios que nos trouxeram até aqui mostram, cada um à sua maneira, que a formação do analista não se completa em diplomas nem se transmite em técnicas repetíveis. Ao contrário, ela se sustenta naquilo que insiste em escapar às tentativas de fechamento. Foi lembrada como urgência ética (Prelúdio I), como radicalidade que resiste à burocratização e à banalização (Prelúdio II), como experiência arrancada do inconsciente e não da didática (Prelúdio III), como invenção poética contra algoritmos e padronizações (Prelúdio IV), como responsabilidade histórico-político-clínica (Prelúdio V), como orientação pelo desejo e não pelo supereu (Prelúdio VI), e, finalmente, como não-toda, sustentando a brecha que não se deixa suturar (Prelúdio VII).
É nesse ponto de atravessamento que podemos situar o estilo como marca da formação do analista. Estilo não é verniz, não é repetição, não é eco. Tampouco se confunde com a neutralidade técnica ou com a reprodução de protocolos. O estilo é efeito de um percurso analítico, a cifra ética de uma passagem. Ele se manifesta no modo da escrita, no modo de escutar, no modo de dizer, a cada ato, a cada interpretação, ou seja, na tática, na estratégia e na política do analista, na direção do tratamento e na sua presença na cidade.
No Ato de Fundação (1964), Lacan aponta que a Escola deve se orientar pelo real introduzido na psicanálise. E na Proposição de 9 de outubro de 1967, ao formular que “o analista só se autoriza de si mesmo” … e mais tarde no seminário XXI acrescenta, “não sem alguns outros”, recoloca a dimensão de responsabilidade que cada analista assume ao se autorizar. Não se trata de ritualizar-se, mas de implicar-se em uma posição ética que só pode ser fruto de um percurso singular, jamais universalizável.
A formação do analista é a urgência de nossa época, quando o saber tende a se converter em dado estatístico, quando o sujeito é reduzido a padrões de mensuração, quando a violência das guerras e dos genocídios apaga a palavra singular. É nesse contexto que a psicanálise se afirma não como técnica universal, mas como ética da escuta: um ato que acolhe o indizível e resiste à homogeneização do humano.
A palavra estilo vem do latim stilus, o instrumento de escrita que deixa um traço irreversível na superfície. Assim também o estilo do analista: não se trata de ornamento, mas de marca de um percurso, índice de uma travessia. Estilo é aquilo que se escreve de forma única em cada análise. Não se esgota no ensino, mas se desdobra na ética da práxis, na clínica e na transmissão. É a cifra de uma passagem que testemunha, mas não universaliza, pois permanece aberta ao singular.
O estilo, nesse sentido, é o que preserva a psicanálise de se tornar doutrina, burocracia ou técnica acabada. É o que a mantém viva, porque não pode ser ensinado, apenas decantado de uma experiência. Como lembra Antônio Quinet, o estilo “não é o próprio homem, nem o Outro, mas sim o objeto a, causa do desejo”: uma singularidade que se escreve como gesto, como corte, como invenção que surpreende.
Assim, a formação do analista se presentifica na sua ética — pois se orienta pelo desejo e não pelo imperativo superegóico; como política — porque se implica nas urgências de seu tempo e não se furta a escutar os efeitos da história na pólis e no sujeito; como poética — porque aposta na invenção singular de cada um, no ritmo próprio de sua lalíngua; e como não-todo — porque não se fecha em um saber último, mas se sustenta no buraco, na hiância, na falta que causa.
Que nosso encontro em Maceió, em outubro, seja ocasião de retomar esse chamado: que cada analista venha com seu estilo — não sem alguns outros — e reconheça na sua formação não a repetição de fórmulas, mas o rigor e a responsabilidade de sustentar um estilo. Pois é nessa assinatura singular que a psicanálise se transmite. Que venham os concernidos pelo discurso analítico e que cada um venha com seu estilo!
Referências Bibliográficas
1. FREUD, S. (1926). A questão da análise leiga. In: Obras completas de Sigmund Freud (Vol. 20). Rio de Janeiro: Imago.
2. FREUD, S. (1930). O mal-estar na civilização. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
3. LACAN, J. (1964). Ato de Fundação. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
4. LACAN, J. (1967). Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
5. LACAN, J. (1973). Nota italiana. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
6. Lacan, Jacques. Televisão. In: ______. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 509-543.
7. Lacan, Jacques. Seminário, livro 21: Les non-dupes errent (1973-1974). Inédito. Texto estabelecido a partir da transcrição da Association Freudienne Internationale. Disponível em: https://staferla.free.fr/. Acesso em: 20 ago. 2025.
8. SOLER, C. (2011). O estilo do analista. Opção Lacaniana online, n. 2.
9. QUINET, A. O estilo, o analista e a Escola. Rio de Janeiro: edição digital.
10. Quinet, Antônio. A estranheza da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.