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XXV ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
A FORMAÇÃO DO ANALISTA: URGÊNCIA DA NOSSA ÉPOCA
16, 17, 18 E 19 DE OUTUBRO DE 2025 – MACEIÓ/AL

Prelúdio I
Formação do analista e urgência contemporânea: uma questão ética
Osvaldo Costa Martins
Membro do FCL-Fortaleza

Articular formação do analista ao contexto de nossa época exige um diálogo crítico entre a ética psicanalítica e os imperativos sociais que pressionam pela homogeneização da vida e solapam a singularidade. Ante uma cultura marcada pela globalização, a psicanálise situa-se como um enclave incrustado no território da contemporaneidade. Tais tensionamentos tornam fundamental a atualização dos debates sobre a formação do analista e instam-nos a ressaltar de imediato: não há resposta totalizante para o mal-estar na civilização.

Advertido disto, ainda nos anos 1920, Freud escreve A questão da análise leiga e O futuro de uma ilusão para diferenciar a formação e a prática dos analistas daquelas dos médicos e dos sacerdotes. O caráter leigo indica que a centralidade da formação do analista está na análise pessoal e na assunção de uma ética e uma práxis coerentes com a castração e o saber do inconsciente. Quanto ao segundo escrito, trata-se justamente de fazer frente à sedução das ilusões coletivas. Com Lacan, diríamos que tais ilusões concernem à fantasia de onipotência que visa a encobrir a castração: sustenta-se um Outro capaz de responder a tudo. Em nossa época, esse Outro é encarnado não apenas por líderes religiosos, mas também por ideologias que permeiam todo o campo político, da direita à esquerda.

Em direção oposta, uma análise levada adiante passará inevitavelmente pela queda dessas ilusões e o respectivo trabalho de luto para, talvez, advir um sujeito advertido dos efeitos e limites da linguagem, nos quais estão concernidas a castração e a hiância fundamental. Nessa perspectiva, o argumento de Lacan (1967/2003) segundo o qual há um real em jogo na formação do analista tem reverberações éticas muito importantes. Por um lado, obsta quaisquer tentativas de reduzir a formação do analista a um pacote de aquisições técnicas ou ao cumprimento de grades curriculares conduzidas por mestres ou mercadores de saber. Por outro, implica um trabalho e uma defrontação ética que só poderão se dar na singularidade de cada divã e, por extensão, na atuação de Escola.

Em uma época caracterizada pela ilusão de controle e previsibilidade, bem como pela inflação imaginária promovida por redes sociais, a referência ao Real e à castração opera a contrapelo. Admite-se que o correr da vida cotidiana tende a velar tais referências, mas aqueles que estiverem em funções concernentes à formação do analista, seja em sua face de intensão seja na sua face de extensão, jamais poderão ignorá-las.

Ademais, acrescento a este prelúdio um componente temporal, uma vez que o verbo “urgir” está intimamente relacionado a esta temática. Em um conhecido seminário intitulado “O que é o contemporâneo?”, Giorgio Agamben promove um debate sobre a posição de cada um diante de sua época, enfatizando que ser “contemporâneo” não significa apenas uma coincidência temporal, mas sim adotar uma posição crítica e paradoxal diante do presente. Em suas palavras, a contemporaneidade “é uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la” (Agamben, 2009, p. 59). O presente, nessa perspectiva, é um tempo fraturado, impossível de se completar. Assim, o contemporâneo não é um mero observador em busca de luzes e harmonias com os ideais de sua época, mas alguém que se deixa interpelar pela obscuridade de seu tempo e que, para isso, precisa não se justapor a ele. É na fratura do presente que deve se situar aquele que queira estar a sua altura.

Nesse sentido, entendo que o analista e sua formação devam ser sempre contemporâneos. A temporalidade que urge deve ser presidida pelo festina lente[1]. Apressemo-nos lentamente de modo a não coincidirmos demais com o presente e permitirmos que suas luzes ofusquem nossa visada. Só assim saberemos algo da “espiral que nos arrasta” e poderemos funcionar, em alguns momentos, como “intérpretes da discórdia das línguas” (Lacan, 1953/1998, p. 322).  Ou isso… ou pior.

 

Referências bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009
LACAN, J. (1953). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LACAN, J. (1967). Proposição de 9 de outubro de 1967.In: LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

 [1] Alusão à expressão romana cujo uso é originalmente atribuído a Otávio Augusto. Trata-se de um oxímoro que significa ir devagar para executar um trabalho bem feito de modo mais rápido possível.

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