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XXV ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
A FORMAÇÃO DO ANALISTA: URGÊNCIA DA NOSSA ÉPOCA
16, 17, 18 E 19 DE OUTUBRO DE 2025 – MACEIÓ/AL

Prelúdio III
“De uma análise se extrai uma experiência”: Formação e transmissão
Elynes Barros Lima, AE 2022-2025
Membro do FCL – Fortaleza

Desde que recebi o convite para escrever este prelúdio para o nosso próximo Encontro Nacional – que terá como tema “a formação do analista” – algumas perguntas me vieram à mente:
O que é uma formação psicanalítica lacaniana e o que a difere de outras formações psicanalíticas?
O que se deve levar em consideração numa formação, ou quais são as variáveis que permeiam uma formação?
O que se forma no final de uma análise, o analista?
Como se transmite a psicanálise?

Não vou conseguir aprofundar todas essas questões neste prelúdio, mas intenciono tratar um pouquinho mais delas no XXV Encontro Nacional. Por hora, acho pertinente colocá-las e situá-las um pouco.

Desde Freud, a formação psicanalítica pressupõe não só a aquisição de conhecimentos teóricos, mas, principalmente, a experiência de se submeter a um tratamento analítico e de experimentar em si mesmo os efeitos da transferência. Sobre isso Freud diz: “[…] é impossível assimilar a análise sem experimentá-la pessoalmente”[1]; e ainda: “[…] ninguém tem o direito de participar de uma discussão sobre psicanálise, se não teve a experiência própria, que só pode ser obtida ao ser analisado.”[2]  

A experiência, além do ensino, se torna uma questão tão importante para Freud ao ponto de ele dizer em Análise terminável ou interminável: “A sua tarefa está realizada quando ela [a análise] traz para o aprendiz a firme convicção da existência do inconsciente”[3]

O ponto limite, o final da análise para Freud seria, portanto, que o sujeito obtivesse essa convicção advinda da experiência: que seu sofrimento e sintoma são frutos de uma elaboração do inconsciente.

Lacan dá um passo a mais.

Uma psicanálise lacaniana acontece levando-se em consideração a estrutura da linguagem. Mas, Elynes, o que isso quer dizer?

Bom, vou compartilhar com vocês o que eu pude extrair da minha experiência: primeiro, que uma palavra não diz tudo da coisa; portanto, por mais que se predique, nunca conseguiremos dizer tudo dela. Segundo, que entre o que a gente pensa e o que a gente diz tem uma grande diferença, inclusive em quantidade! Já disse em outras oportunidades que, quando eu ia para minha sessão, tinha a impressão de chegar lá arrastando um saco de pedras e sair com 2, 3 no bolso. Terceiro, e disso Freud tratou em sua Psicopatologia da vida cotidiana, a palavra pode falhar; você quer dizer uma coisa e diz outra… por exemplo, quer dizer que Freud falava sobre “sonhos” e diz que ele falava sobre “sexo”!

Daí deduz-se que existe um real em jogo na formação do analista presentificado pela estrutura de linguagem. E uma análise que se diga lacaniana – além de ser freudiana -, deve levar em consideração esse impossível, que Lacan enunciou assim: não há relação sexual.

O objeto a, invenção de Lacan, é um outro nome para esse impossível, a parte descompletada do Outro, que, se existisse, teria a possibilidade de formar uma totalidade com esse pequeno a.

Lacan ressalta: “Se o psicanalisante faz o psicanalista, ainda assim não há nada acrescentado senão a fatura [isto é, o detalhamento do produto vendido ou o serviço cobrado][4]. Para que ela seja devida [paga] é preciso que nos assegurem que há psicanalista [Il y a du psychanalyste]. […] O psicanalista se faz do objeto a. Ele se faz, entenda-se: faz-se produzir; do objeto a: com o objeto a.”[5]

Se o analista se produz do objeto a, e se esse objeto é esvaziado de substância – que é como deve ser o “ser” do analista -, será que podemos dizer então que o que se forma no final de uma análise lacaniana não é o analista, mas esse vazio do objeto, o não-sabido-que-se-sabe que passa a ser operador lógico e causa do desejo, o “do” psicanalista que vai orientar a condução das análises?

Me deparei com um texto de Lacan no qual ele coloca de uma forma clara e direta o que seria essa formação “do” analista e que me fez levantar essa questão acima. Cito Lacan:

“Eis o que eu obtenho após ter proposto esta experiência. Eu obtenho alguma coisa que não é absolutamente da ordem do discurso do mestre nem do magister, ainda bem menos alguma coisa que partiria da ideia de formação, eu falei de formações do inconsciente, mas seria preciso saber observar as coisas das quais não falo, das quais jamais deixei um traço: eu jamais falei de formação analítica. Eu falei de formações do inconsciente. Não há formação analítica, mas da análise se extrai uma experiência, que é completamente errôneo qualificá-la de didática. Não é a experiência que é didática, digo isso porque há pouco se falava da psicanálise didática; porque vocês acreditam que tentei apagar completamente este termo didática, e que eu falei de psicanálise pura?”[6]

O que chamamos de um final lógico da análise é justamente a possibilidade de extrair dessa relação com o inconsciente uma experiência, um saber que habilite o analista a operar nas análises.

Bom, mas o que pode ser transmitido dessa experiência?

A psicanálise não se transmite ensinando. Por isso, é necessário passar pela experiência e por isso também as análises não são curtas; o analisante “precisa de tempo” não para se instruir, mas para se dizer[7].

O saber adquirido numa análise é extraído desse inter-dito, “dito entre as palavras, entre as linhas”. Lacan diz que é pelo fato de insistirmos na nossa insuficiência de saber, isto é, por ainda acreditarmos que há um saber suficiente, que nos mantemos no gozo[8].

Falamos e falamos numa análise para mantermos a suposição de saber no Outro; porém os cortes, a interpretação do analista permite que essa suposição se dissolva e se perca – é preciso consentir com a perda!

Dessa operação extrai-se uma experiência: o Outro não sabe.

Talvez o que se transmite seja esse ponto limite que a experiência decantou e que foi possível extrair: que existe uma reserva, um não saber impossível (lógico) de acessar, que uma análise singularmente e eticamente orientada pode levar o sujeito, que, sabendo disso, dirá: é o fim da picada.

 

[1] Freud, S. Explicações, aplicações e orientações, Conferência XXXIV. In: Obras completas de Sigmund Freud. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1976.
[2] Freud, S. A dissecação da personalidade psíquica, Conferência XXXI. In: Obras completas de Sigmund Freud. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1976.
[3] Freud, Sigmund. Análise terminável e interminável. In: Obras completas de Sigmund Freud. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1980.
[4] Os colchetes foram inseridos no texto pela autora.
[5] Lacan, J. O ato psicanalítico. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003, p. 375
[6] Lacan, Jacques. Intervention dans la séance de travail « Sur la passe ». In: Lettres de l’École freudienne, 1975, n° 15, pp. 185-193.
[7] Lacan, Jacques. Radiofonia. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
[8] Lacan, Jacques. Seminário XX, Encore, aula de 12 de maio de 1973.

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