XXV ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
A FORMAÇÃO DO ANALISTA: URGÊNCIA DA NOSSA ÉPOCA
16, 17, 18 E 19 DE OUTUBRO DE 2025 – MACEIÓ/AL
Prelúdio X
A Urgência em psicanálise é a formação dos analistas
Glaucia Nagem
AME-EPFCL, Fórum São Paulo
Em “O tempo lógico”[1], Lacan destaca que é “na urgência do movimento lógico que o sujeito precipita simultaneamente seu juízo e sua saída”. A esse texto tão inaugural acrescento o que está no Prefácio da edição inglesa do seminário 11, lembrando que existe uma distância de duas décadas entre eles. Se no primeiro ele coloca a urgência do momento de concluir no terceiro tempo lógico, que está na saída de um tratamento, no Prefácio, ele deixa evidente que a urgência para psicanálise é a satisfação do fim. Ambos indicam a urgência como o tempo do fim do tratamento.
Sim, a análise tem uma orientação para o fim. Bousseyroux afirma que “Lacan aposta no fim da série … não aposta no infinito … Lacan formula sua ética na aposta em sua dimensão de ato que orienta a vida”[2]. É o passe que vem pôr à prova essa urgência da formação, para alguns que se disponham a ele. Alguns, pois, na medida em que o passe não é uma pressão nem uma obrigação, ele não é para todos. O passe é esse lugar de pôr à prova o que do analista foi possível ser escutado na saída. O passe é mais para a Escola do que para aquele que se apresenta a ele, pois mantém a Escola desassossegada, como disse Nicolas Bendrihen no FCLSP em junho de 2024.
A formação do analista a partir de sua análise é a urgência que interessa à psicanálise. Nessa direção, uma análise orientada pela ética que lhe é própria pode escutar o que faz urgências do mundo. Mas o lugar do analista como pessoa conta menos do que sua escuta e orientação ética. O analista é representado por Magritte como um sujeito que no lugar do rosto tem o céu ou uma gaiola com a porta aberta. Essa representação nos é cara. Não é o que é visto nem no analista nem no analisando que vai sustentar uma análise. O lugar do analista é esse que comporta os significantes de seus analisantes, portas abertas para que o analisante possa voar.
A transferência é Real, Simbólica e Imaginária. Com a lógica nodal, somos convidados a pensar os três registros sempre presentes. Muito se diz da transferência como sendo do campo do simbólico, mas as análises nos dão notícias de que o real e o imaginário estão ali também. Em um dos relatos de passe de Adriana Grossman, ela conta que no fim de sua análise “vê” a cara de sua analista. Não são incomuns alguns relatos desses acontecimentos do real em certos momentos da análise. Em minha experiência de final de análise, eu vi o nome de minha analista no título do jornal. Eventos do real no campo da transferência.
O campo imaginário da transferência é importante, mas não é o que sustenta a análise. Assim como no amor não amamos o todo do parceiro amoroso, na transferência não amamos tudo do analista. É um traço que se destaca e se engata para que uma análise possa seguir. Na minha experiência clínica, destaco uma situação em que a analisante, frente a um objeto do meu consultório, afirma: “Só uma analista que tem isso na estante poderia ser minha analista”. É um traço, um troço de nada que acontece e passa. O analista precisa estar advertido de que isso não é tudo e que não garante que uma análise seguirá. Não é algo controlável e, assim como o amor, é contingencial. Precisamos apostar em um passo além desse “primeiro amor”.
E, por fim, o campo Simbólico da transferência, aquele que está nos Escritos sobre o relatório de Lagache[3], quando Lacan coloca o analista em lugar de grande Outro. O grande Outro como a bateria de significantes que na transferência são os do próprio analisante. Logo, a neutralidade da transferência está aí, na neutralidade dos significantes do analista. Em algum, lugar Lacan comenta que não vemos a cor da gravata de nossos analisandos. Isso é crucial se pensarmos que não é no que aparece que temos que escutar, mas naquilo que está sob os ditos. Há que escutar o que o sujeito tem a dizer da cor de sua gravata sem ter ideias preconcebidas.
A urgência da nossa época, como psicanalistas, é a nossa formação. E essa formação comporta estarmos atentos ao que se diz no mundo. Se a psicanálise conversa com a literatura, linguística, filosofia, matemática, por que não com a sociologia e antropologia? Temos dois teóricos de base que não se furtavam a ler e a se informar sobre o que estava sendo produzido em sua época. Mas se Lacan lê e utiliza essas várias ciências, ele não se torna um linguista ou filósofo. Não se trata de nos tornarmos sociólogos ou antropólogos, mas escutar o que eles estão pesquisando e extrair o que pode conversar e fazer a psicanálise avançar.
Isso, em nossa formação, enriquece os manejos e mesmo nos alertar sobre como a psicanálise pode entrar na conversa. Ngûyen falou algo muito interessante recentemente em conferência online com o FCL de Fortaleza. Frente a uma pergunta sobre o psicanalista ser chamado a falar sobre vários temas, ele ponderou que o psicanalista não precisa entrar pelo discurso da mestria, dando respostas a tudo, mas incluindo perguntas que mantenham o diálogo, e que furarem as certezas. Assim, parece que a psicanálise pode se nutrir do que está ao seu redor e oferecer o que nossa formação nos traz de melhor: a posição advertida de que não tem um tudo-a-saber. Só a análise orientada pela urgência da satisfação do fim leva à saída do gozo do sentido de tudo saber, ideal de completude e compreensão do outro, em direção ao real que o fim de um tratamento proporciona ao topar com o não-todo.
[1] Lacan, J. O tempo Lógico e a asserção de certeza antecipada. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1998, p. 206.
[2] Bousseyroux, M. Psychanalyser le pas-comme-tout-le-monde – essai de clinique psychanalytique. Éditions Nouvelles du Champ Lacnien, Paris, 2022, p. 145.
[3] Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: “Psicanálise e estrutura da personalidade”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1998, p. 687.
