Prelúdio 05 – Christian Ingo Lenz Dunker
Ideias Verdes Incolores Dormem Furiosamente
É com esta frase que Lacan abre o seminário sobre Problemas Crucias da Psicanálise (1964-1965), ao longo do qual aborda quatro problemas. A estrutura do tratamento psicanalítico segundo o modelo da Garrafa de Klein. A renovação da teoria do significante à luz da crítica à concepção de linguagem proposta por Chomsky e segundo o método de Frege para formalizar a teoria dos números. A concepção de fantasia à luz do caso clínico de Serge Leclaire e seu sintagma fundamental: “poord´jely”. O problema da produção de simulacros em Platão e sua relação com a verdade para redefinir o psicanalista como “a presença do sofista em nossa época”.
Meio século depois disso podemos tomar distância da parcialidade das questões assim colocadas, mas também de seu valor antecipatório.
A discussão sobre a regularidade de procedimentos que poderiam definir o método psicanalítico tornou-se candente. Sem que exista alguma comensurabilidade entre as diferentes experiências a que chamamos psicanálise é possível que nossa idiossincrasia epistemológica nos transforme em um capítulo de literatura mal feita. Contudo, o caminho do modelo lógico matemático continua minoritário diante das estratégias operacionalizantes e indutivistas. Nem nossa escrita de casos nem nossa acumulação de relatos de passe conseguem produzir uma diferença contável.
Nosso debate com as ciências da linguagem curiosamente inverteu sua direção. Hoje são as análises de discurso e as teorias da enunciação que se vale dos conceitos de Lacan, enquanto nossa fundamentação deixou de lado os avanços das novas concepções de linguagem e suas interessantes consequências para a poética e para as artes.
A teoria do final de análise depende tanto do entendimento que se tenha do conjunto do tratamento, de seus limites e variedades, quanto da matriz de formalização que se pretenda extrair da linguagem ou da lógica. Quanto a ela pouco se fez, apesar dos esforços em distinguir finais de análise, no lado homem, no lado mulher, ou quiçá no transgênero.
Finalmente, quanto ao lugar do psicanalista na cidade, ele nunca foi tão próximo do sofista. Político ou crítico é em sua extração social que a psicanálise permanece como um discurso de resistência, não sem reconhecer que toda resistência é de discurso. Quanto a este problema ainda nos deparamos com os efeitos deletérios da concepção acósmica de mundo, sua constituição endogâmica, ou em estrutura de condomínio. A expansão da lógica segregativa não foi capaz de criar uma nova topologia da experiência de mundo. O mito de Édipo foi objeto de revisão simbólica pela antropologia pós-estrutralista. A identificação ainda remanesce como problema imaginário entre a massa, o grupo e a classe.
Ou seja, os problemas cruciais da psicanálise hoje, ainda são os de cinquenta anos atrás, mas com o agravante de que suas respostas envelheceram. Nossos interlocutores mudaram. De Chomsky emergiram as neurociências, de Frege a filosofia analítica, de Platão os novos filósofos “lacanianos”. Quanto a Leclaire, o primeiro caso clínico lacaniano, este terá sido apenas o início de uma série, cuja razão extrema e média harmônica ainda está por ser calculada.
As ideias verdes de Lacan ainda dormem, cada vez mais furiosamente, incolores mas não indolores.