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Prelúdio 13 – Sandra Berta
“Atualidade do Saber em psicanálise”

O caminho de uma analise se realiza na fronteira sensível entre o saber e a verdade. Lembremos que Lacan nos advertira disso em várias oportunidades, mas que ao propor o Campo Lacaniano ele localizou uma posição diferenciada no discurso do analista anunciando que ele esperava uma mudança no “assentamento do saber”.

Nas conferências “O saber do psicanalista”, 1971-1972, Lacan diz que o desejo de saber que o analista promove no analisante deve sustentar-se numa questão no tocante ao saber. Não será suficiente – mas é necessário como condição – que uma análise produza um saber sobre o valor de verdade dos sintomas que respondem pela posição subjetiva. Será preciso ir além dessa ficção mentirosa para extrair do sintoma uma letra de gozo, uma cifra singular “para além do (eu) gozo-sentido [joius-sens][1]”. Dito de outro modo – e citando aqui Veríssimo nesta manhã de domingo – um saber mais além das “circunstâncias, essas serpentinas em que a gente vive se enredando[2]”.

Há na psicanálise uma temporalidade paradoxal na qual aquilo que se produz em ato responde por uma invenção. Passagem do Sujeito suposto saber que inaugura a transferência para o saber que se inventa no final do jogo.

Voltemos à Nota aos italianos e ao “sicut palea”, expressão tomada de Santo Tomás que pronunciara essas palavras quando estava finalizando sua Suma Teológica. Santo Tomás precisou da palavra de Deus para dar por terminada sua obra. A verdade revelada por Deus colocou ponto final ao saber fragmentado. Furo no saber que deixa para a iluminação Divina o que a razão não podia decidir. Lacan toma esta expressão para indicar os limites da elucubração de um saber e precisar o lugar da verdade que “não serve para nada senão criar o lugar onde se enuncia esse saber[3]”. Mas o saber que toca o real e que modifica a relação ao gozo não se define pela sua elucubração.

Esse saber que se inventa “passa em ato[4]”. O saber que se inventa é do (a)sexuado, um por um. Este é o legado que Lacan nos deixou ao propor a Escola e o Passe. Para que esse saber seja transmitido, para não retirar dele sua dignidade, será preciso continuar com o debate a céu aberto sobre a atualidade do discurso analítico. Isso significa fazer valer o dizer que passa nas ranhuras do saber quando o simbólico tece fugazmente no real a letra singular, aquilo que o dizer como sinthoma poderá sustentar.

Como transmitir isso senão na sustentação de cada cura e, portanto, na sustentação do discurso analítico? E ainda, como transmitir isso senão por uma posição dupes do real com a qual deveríamos responder em cada caso clínico e em nossos laços? Isso não é se fazer de bobo, mas ter uma disposição ao encontro (contingência). Lembremos o que aponta Lacan: dar prevalência à “lógica da contingência[5]” para a qual é condição “abandonar o recurso a qualquer evidência[6]”.

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[1]Lacan, J. (1973) …ou pior. Relatório do Seminário de 1971-1972. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 549.

[2] Veríssimo. Na ponta da Língua. In: Jornal O Estado de São Paulo. Caderno 2. Domingo 14 de agosto de de 2016. P.12.

[3]Lacan J. (1973). Nota Italiana. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 315.

[4] Lacan J. (1970). Alocução sobre o ensino. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 310.

[5] Lacan, J. (1974). Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 537.

[6] Ibid, 537.

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