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Prelúdio 16 – Sonia Alberti
“Problemas cruciais para psicanálise na atualidade”

Que linda a abertura das Olimpíadas na sexta-feira, dia 5 de agosto de 2016!

Exatamente naquele dia era queimado vivo um adolescente em cela incendiada por protestos contra o excesso de menores infratores internados (eram 346 para 120 lugares previstos), na mesma Cidade Maravilhosa[1]. Agentes queimavam suas mãos no desespero de abrir celas trancadas com cadeados para liberarem os jovens sem possibilidade de escaparem à fumaça e às chamas.

O adolescente que não sobreviveu – “respondia por fato análogo ao tráfico de drogas”[2] – já havia sido liberado, mas sua mãe, sem saber o que fazer para tirá-lo do mundo das drogas, pediu ao Juiz que o mantivesse internado para que fosse educado na dita medida sócio-educativa. Problema crucial para a psicanálise e para a cidade, o trabalho com aqueles que se revezam na função de Outro para os jovens, parece não ter luz no fim do túnel. Ou o Juiz não tem a menor condição de exercer o seu cargo por não querer saber como andam as coisas de fato ou por criar realidades apenas a partir dos textos, ou continuamos na antiga situação que eu já denunciava em 2004, quando observava que, em relação aos jovens, há muitas vezes um desejo de morte.

Poderíamos abordá-lo também por um outro viés, o do gozo. Somente a partir de não crermos que após a vida há infinitas vidas infinitamente felizes, conforme o raciocínio de Pascal revisitado por Lacan, podemos reconhecer uma primeira condição necessária para um psicanalista: entre psicanálise e religião, Freud operou a disjunção que impõe que a castração do Outro implica o gozo apenas na vida – e não nas infinitas vidas infinitamente felizes. Comumente, o gozo é associado ao bem estar, à alegria e ao que é bom, no escamoteamento de tudo o que ele implica de dominação, usufruto, egoísmo e, particularmente, de pulsão – acéfala e, não raramente, mortífera. Pode ser que haja muita gente que não o reconhece, já que todo sujeito é, por definição, aquele que sofre com o real, sujeito do pathos, e no discurso comum não se reconhece facilmente o gozo desse sofrimento. Mas é crucial, para a psicanálise, poder divulgá-lo e demonstrá-lo para os outros saberes, não apenas pela sobrevivência dela, é crucial para que ela promova, no mundo, a percepção do mal-estar inerente à cultura, de modo a contribuir com a garantia da vida daqueles que, em outros discursos, são tratados como rebotalhos. Crer na verdade que mantém um adolescente confinado numa medida sócio-educativa, testemunha da ignorância de que aquela é somente um meio dizer. Lacan nos ensina que é apenas a partir de um insabido que um ato pode sustentar um sujeito.

Eis o que me parece crucial para a psicanálise em 2016: sustentar cada ser falante num mundo em que muitas vezes as diferentes formas de existir são segregadas em nome de ideais que não levam em conta – ou mesmo anulam – as circunstâncias, nem os próprios recursos que cada falasser terá se puder lançar mão deles. Estariam os psicanalistas aptos a transmiti-lo frente aos desafios da época que vivemos?

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[1] http://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2016/08/morre-adolescente-de-petropolis-rj-queimado-em-rebeliao-no-degase.html

[2] Idem.

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