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Prelúdio 18 – Robson Melo
“De onde vem o desejo de psicanálise”
“Bichos e Parangolés”

Parto da questão central: de onde vem o desejo de psicanálise? Mas também podemos colocar: o que não se pode deixar de lado quando o que se deseja é que a psicanálise continue com a força de sua “sega cortante” na atualidade neurocientificista, essa última que, todo tempo, se esforça para fazer calar a verdade que o sintoma analítico traz consigo, propondo, cada dia mais e mais, a ampla, geral e irrestrita medicalização como a solução para todo tipo de padecimento humano? De onde extraímos entusiasmo e animação para seguirmos trabalhando de forma decidida, erotizando os laços na pólis? Como conseguimos encontrar forças para, todo tempo, lidarmos com a vertente destrutiva e desagregadora da pulsão de morte – essa sempre amalgamada à pulsão de vida? Vejo, aqui, alguns problemas cruciais para a psicanálise no nosso tempo.

Claro que, de largada, temos de partir da proposição freudiana acerca do tripé da formação do analista (A questão da análise leiga, 1926): análise pessoal, estudo continuado e a supervisão. Decanto essa premissa colocando o acento grave no primeiro item – a psicanálise em intensão (pelo viés do analisante). Mas jamais desconectada da extensão. Sei bem que aqui há um mundo. Algumas vezes, e para alguns, também há um muro!

Apostamos no trabalho no âmbito de um Fórum do Campo Lacaniano. Apostamos na Escola de Lacan porque queremos seguir com a formação. Trabalho e desejo: desejo de trabalho! A formação é, e deverá ser percebida, antes, formação do inconsciente. Eis a plataforma da viagem do sujeito.

E, se a tonicidade do desejo de psicanálise recai sobre a questão da análise pessoal, também podemos dela desdobrar algumas outras questões do tipo “problemas cruciais”, como por exemplo: como operar de modo que a simples queixa se transforme em sintoma analítico, possibilitando a entrada em análise, e, dentro, o que fazer e como fazer para que se queira levar esta experiência a seu termo? Ok. Agora convidamos também o analista para o centro da roda da conversa. Onde ele sempre tem de estar. Combinemos que não estamos falando de sua pessoa em carne, naturalmente. Mas, sim, do lugar que ele ocupa, do qual ele não deverá sair, e do seu enigmático desejo – desejo do psicanalista – depurado e recolhido em sua própria análise levada até o fim. Estamos falando do real que daí advém, e que contribuirá para que se estabeleça um “bom encontro”. Que ele esteja todo tempo advertido da sua posição de objeto causa de desejo. Tal e qual os objetos “bichos” de Lígia Clark e os “Parangolés” de Hélio Oiticica, parafraseando Adriana Calcanhoto ( Parangolé Pamplona.In Marítimo), esse objeto “o analisante (em sua análise) mesmo faz!”. Que esteja disposto a dar tratamento e a suportar a resistência que, porventura, irrompe na análise e que conduz ocasionalmente à transferência negativa. Mas lembremos que não é possível que o tripé suporte bem a formação sem que aquele que se apresente para as entrevistas preliminares consinta e aceda ao trabalho analítico, pois afinal, é dele a tarefa analisante.

De onde vem o desejo e o entusiasmo do psicanalista? Da experiência analítica, ela mesma. Dessa viagem por muitos lugares e de longa duração (o tempo necessário para elaborar e concluir um saber que se recolhe após acumulação do tempo!).

Não menos: temos também de falar dessa experiência com “inventividade”. Reinventemo-nos naquilo que poderá ser reinventado – sempre importante lembrarmos do estabelecimento dos laços com os sujeitos na pólis, bem como com outros saberes, na via mesma da transmissão.

Penso que, se queremos lançar um olhar especial para a psicanálise e seus problemas crucias, também não nos esqueçamos de articular o nascedouro desse desejo no encontro do sujeito com o analista.

Também sou de acordo que devemos pensar um pouco mais sobre o que poderemos recolher daquilo que se estabelece no hiato entre significante do sujeito e o significante qualquer do analista ao qual o primeiro se dirige, e que, ao final, levará o sujeito/analisante a deslizar por sua cadeia significante munido do desejo de saber/desejo de decifrar a verdade constitutiva do seu sintoma. Estamos aqui, realmente, aludindo ao algoritmo da transferência proposto por J. Lacan.

Talvez também seja interessante falarmos mais em nossos encontros sobre o real presente no trauma – sempre infantil – que sempre possibilita ao analisante a transferência. Que colabora e a atualiza, dando boa sustentação a todo o trabalho. Estariam aí os elementos para o dito “bom encontro” entre analista/analisante?

Talvez esse desejo de psicanálise, que a todo tempo nos anima e entusiasma e que nos põe ao trabalho diuturnamente pela transmissão já estivesse presente desde o momento do trauma (cena traumática). Na análise o sujeito consegue lhe dar outro estatuto, resgatando-lhe toda a sua potência erótico-transformadora – que sempre deseja tocar outro falante.

“Metamorfose”.

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