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Prelúdio 21 – Andréa Hortélio Fernandes
“O sonho via régia do inconsciente real?”

A descoberta da psicanálise é consecutiva com a interpretação dos sonhos via régia do inconsciente. Na descrição do trabalho dos sonhos Freud põe em destaque uma nova definição do inconsciente que será atualizada por Lacan ao definir o inconsciente como estruturado como uma linguagem.

No tratamento dado à interpretação dos sonhos, Freud se confronta com o umbigo do sonho como algo que resiste à interpretação. Com Lacan, o umbigo do sonho seria o ponto de real inscrito no simbólico do sonho e que aponta para a impossibilidade da tradução do inconsciente meramente em termos de sentido.

Com o dispositivo do passe, em funcionamento na nossa Escola, cabe examinar, na atualidade, se os sonhos seriam a via régia do inconsciente real quando para o parlêtre esgota-se a demanda de sentido articulando isso ao umbigo do sonho.

Desde a “Interpretação de Sonhos” (1900) a decifração inconsciente não se restringiu a busca de sentido. Desde sempre, o umbigo do sonho demarcou o ponto em que o gozo opaco atravessa o sujeito ultrapassando a lógica significante. A descrição do umbigo do sonho já aponta na direção do inconsciente real.

“Mesmo o sonho mais minuciosamente interpretado, é freqüente haver um trecho que tem de ser deixado na obscuridade; é que, durante o trabalho de interpretação, apercebemo-nos de que há nesse ponto um emaranhando de pensamentos oníricos que não se deixar desenredar… Esse é o umbigo do sonho, o ponto onde ele mergulha no desconhecido” (FREUD, 1900, p. 560).

O sonho tomado como via régia do inconsciente pode promover a associação livre do analisante. Os sonhos nos testemunhos de passe trazem à luz um problema crucial para a psicanálise, eles podem se revelar como a via régia pela qual “algo passe” de “um pedaço de real” ( FARIAS, 2010, p. 14).

Nesta perspectiva, o passe pode fazer avançar a psicanálise. Tanto para os passantes como para os passadores, os sonhos que o passe desencadeia revelam uma reabertura do inconsciente. Porém, os sonhos “não são sonhos que aparecem como enigmas que pedem interpretações, não se dirigem ao Outro, não se abrem ao deciframeto” ( FARIAS, 2010, p. 16). São sonhos que relançam a questão sobre a formação do analista e as formações do inconsciente (MAZZUCA, 2012). No sentido em que os sonhos no passe vivificam o axioma de Lacan segundo o qual “o analista só se autoriza de si mesmo” (LACAN, 2003, p. 248),
mas não sem os outros.

No passe, o relato de sonhos, algumas vezes, pode permitir destacar, no só depois, o momento decisivo do final da análise. É desta forma que um gozo opaco pode ter seu tratamento por advir como letra de alíngua sobre a qual se depositou uma série de equívocos do sujeito. É desta forma que se aproximarmos o umbigo do sonho, em Freud, à alingua, em Lacan, os sonhos como formações do inconsciente podem contribuir para fazer avançar a psicanálise naquilo que não se traduz, mas que é transmissível por revelar o inconsciente real, que não tem nenhuma espécie de sentido, mas de onde tudo parte.

Referências:

FARIAS, F. “Sonhos dos analisante, sonhos do passante” (2010) in: Wunsch – Boletim Internacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, nº 12, janeiro 2011.

FREUD, S. “A interpretação dos sonhos” in: Edição Standard das Obras Completas Brasileiras de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 560.

LACAN, “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola” in: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

MAZZUCA, M. “O analista analisante” (2012) in: Wunsch – Boletim Internacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, nº 12, junho 2012.

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