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XX Encontro Nacional da EPFCL – BR

Prelúdio VI
O MISTÉRIO DO CORPO QUE GOZA
Maria Luisa Rodriguez

Psychopathia Sexualis, obra publicada em 1886 por Krafft-Ebing foi o primeiro grande tratado médico-psiquiátrico que apresentou um estudo pormenorizado dos comportamentos sexuais humanos, praticamente inaugurando o campo da sexologia humana, no final do século XIX. Totalmente coerente com o discurso médico positivista hegemônico da época, esse autor se debruçou sobre o erotismo, partindo de uma perspectiva biológica, na qual o prazer obtido da relação sexual seria considerado natural e, portanto, adequado, somente na medida em que tivesse uma finalidade reprodutiva. Toda a vida erótica fora desse contexto deveria ser considerada como desviante e foi catalogada como “perversão sexual”, o que também estava em acordo com a rigidez de costumes vigente. Sua obra se constituiu como um grande catálogo do que eram considerados comportamentos sexuais patológicos e foi amplamente difundida nos meios científicos.

A ideia da doença que não está localizada em um órgão, mas no funcionamento global que vinha sendo desenvolvido ao longo do século XIX, e no centro dessa construção surge o conceito de instinto sexual a partir do qual se determina o que é o normal e o que é o patológico nesse campo.

Foi nesse cenário que Freud começou a pensar as questões da sexualidade, partindo de um ponto muito fundamental, ao afirmar que o sujeito humano não possui instinto sexual. Ele fundou ali, no seu lugar, o conceito de pulsão, e demonstrou que a libido humana não tem um objeto que lhe corresponda. Isso produziu uma verdadeira revolução, reintroduzindo o corpo humano, como um todo, na vida erótica das pessoas e, rompendo com a estrita genitalidade proposta pelo pensamento médico vigente.

Mais tarde, já no início dos anos 20 Freud propõe um acréscimo à sua teoria da sexualidade, escrevendo o texto sobre A organização genital infantil, em que ele destaca a premissa universal do falo, como a insígnia, o simulacro do pênis inexistente da mãe, que se articula ao complexo de castração. Ele não corresponde à anatomia, mas é um elemento lógico, simbólico, um organizador fundamental da sexualidade.

Em A significação do falo Lacan vai promover a noção de significante, oposta à noção de significado, e o falo como o significante que determina os efeitos do significado e os condiciona. O significante morde o corpo, o que faz com que as demandas desalojem as necessidades, e o sujeito humano se inscreva no campo do desejo. E assim como Freud colocou a questão da diferença sexual na oposição entre o falo e a castração, Lacan localizou, a diferença sexual como a diferença entre ser e ter o falo.

Mais tarde, Lacan chegou às fórmulas da sexuação, postulando a não existência da relação sexual e situando a diferença entre os sexos a partir do conceito de gozo, ou seja como formas de relação diferentes com o gozo. Ele constrói o neologismo falasser para caracterizar o gozo que se impõe pelo fato de que falamos. A partir disso, ocorre uma reelaboração da significação do falo, pois a questão da castração estará centrada nesse encontro do vivente com o significante, esse encontro que faz com que todo ser falante seja submerso na linguagem desde sempre e que só possa ter acesso a seus objetos a partir disso.

Ele vai instalar então o gozo fálico como aquele que vale para todos e para todas e que articula o corpo e a fala. Por outro lado, o real faz emergir a falha na simbolização, quando a diferença sexual se apresenta não como construção discursiva, mas no seu aspecto de impossibilidade intransponível do discurso, revelando que a inadequação a um corpo sexuado é constitutiva de todos os seres falantes.

Portanto à psicanálise compete uma política do corpo que promova o bem dizer a diferença, a diversidade e o impossível da relação sexual, resistindo às politicas de “ignoródio” – que seguem hoje, como no século XIX, não querendo saber nada sobre isso.

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